Quem não se lembra de André Carica? Quero dizer, André Carioca? Ou melhor, André Kayak? Isto é, Андрей Каряка?
Pois é, Andrei Karyaka, esse fulgurante… hã… jogador – salvo erro – nascido na Ucrânia e adoptado voluntariamente pela Grande Mãe Rússia. Palmas para ele.
Facundo Quiroga até estremeceu com a estrondosa ovação enquanto preparava o seu rodízio numa rústica paisagem argentina: “¿Quién? Sí, como podría olvidarlo – ¡ese chico es muy precioso! Me encantarán sus goles. O mejor, su gol”. Mas Lucas Mareque, sempre mais lesto a prender o cabelo do que a perceber que o futebol é um jogo em que é permitido utilizar os dois pés para endossar o esférico, tratou logo de emendar o distraído colega: “Pero… ¿que goles, coño? ¡Ese tío fue la nueva Lady Di del fútbol portugués!”
E por muito que nos custe admitir, Mareque até tinha razão.
Karyaka sempre vivera naquele grande fausto que era a antiga URSS. Para quem não se lembra, havia por lá tudo do bom e do melhor. Todos eram príncipes e princesas no conto de fadas soviético que ia de Kalingrado a Vladivostok. Ele era prosperidade, rublos a transbordar dos bolsos, carros de luxo, viagens de sonho pelos alvos campos da Sibéria, iguarias do requinte do caviar distribuídas às pazadas pelos robustos trabalhadores metalúrgicos, alegria e prazer a rodos, etc.. Tudo à grande e à russa, tudo desde que o stock de vodka continuasse lá por cima. O futebol era somente mais um passatempo diletante.
Pois é, Andrei Karyaka, esse fulgurante… hã… jogador – salvo erro – nascido na Ucrânia e adoptado voluntariamente pela Grande Mãe Rússia. Palmas para ele.
Facundo Quiroga até estremeceu com a estrondosa ovação enquanto preparava o seu rodízio numa rústica paisagem argentina: “¿Quién? Sí, como podría olvidarlo – ¡ese chico es muy precioso! Me encantarán sus goles. O mejor, su gol”. Mas Lucas Mareque, sempre mais lesto a prender o cabelo do que a perceber que o futebol é um jogo em que é permitido utilizar os dois pés para endossar o esférico, tratou logo de emendar o distraído colega: “Pero… ¿que goles, coño? ¡Ese tío fue la nueva Lady Di del fútbol portugués!”
E por muito que nos custe admitir, Mareque até tinha razão.
Karyaka sempre vivera naquele grande fausto que era a antiga URSS. Para quem não se lembra, havia por lá tudo do bom e do melhor. Todos eram príncipes e princesas no conto de fadas soviético que ia de Kalingrado a Vladivostok. Ele era prosperidade, rublos a transbordar dos bolsos, carros de luxo, viagens de sonho pelos alvos campos da Sibéria, iguarias do requinte do caviar distribuídas às pazadas pelos robustos trabalhadores metalúrgicos, alegria e prazer a rodos, etc.. Tudo à grande e à russa, tudo desde que o stock de vodka continuasse lá por cima. O futebol era somente mais um passatempo diletante.
E quando o venturoso Andrei recebeu o convite do clube da (até então) corajosa águia Vitória, nem pensou duas vezes:
- Vou sair do maior país do mundo para ir para o melhor clube do mundo: parece-me justo.
Mas, fatalmente, Karyaka havia sido vítima de publicidade enganosa.
A vida em Lisboa revelar-se-ia dura e difícil. Aguentar as dolorosas condições do quotidiano lisboeta do início do século XXI não era exequível nem sequer para quem tivesse resistido ao desastre de Chernobyl. Para mais, partilhando os balneários com gente diabólica da laia de Manduca ou Laurent Robert.
Foi um choque. Cedo se apercebeu que afinal o Benfica e Castelo Branco de Lisboa não era o Spartak da Luz que julgava vir encontrar. Mas o pior era a cidade em si, autêntico pardieiro devastado e sem lei, onde minas e armadilhas se escondiam em cada lomba da 2ª Circular. “Portugal é um país atrasado. Penso que Lisboa está 20 anos atrás de Moscovo. É uma aldeia grande”, referiu o desgostoso Andrei, abrindo o coração para os sempre quentes e afáveis compatriotas. E estava a utilizar toda a sua refinada diplomacia.
Andrei não conseguia render o esperado. Como podia? Ia ao WC, ou seja, urinar no Tejo, e, mal voltava as costas, já estava a mandar abaixo aquela construção de fósforos que era a Ponte 25 de Abril com o cotovelo. Cuspia para o chão e provocava uma catastrófica inundação de Sete Rios ao Campo Grande. Queria o esplendor dos grandes bazares russos mas o máximo que tinha era meia-dúzia de retrosarias e leitarias de aspecto familiar – e a mais tradicional de todas era justamente aquela que tinha ao pé do seu estádio. Saía à rua para passear tranquilamente e era todo um exército de mendigos, maltrapilhos e Missés-Missés a agarrarem-no e a pedirem-lhe algo, uma moeda, um autógrafo ou um pequeno ar de modernidade. Espirrou uma vez e com isso riscou a Feira Popular do mapa. Tanta exiguidade exasperava-lhe.
Tanto que confessou: “Não há lugar para as crianças brincarem na rua”. Oh!, as crianças não têm espaço! Grave burburinho se levantou. Um Monsanto não chegava – dois ou três miúdos enchiam aquilo tudo, inutilizando o que encontrassem pela frente em menos de nada; que saudades dos grandes parques temáticos e super-divertidos da glamourosa Moscovo! O que seria feito das crianças? Pobres crianças.
Estava explicado o porquê da sua distância durante os jogos. Era o bem-estar das crianças. Não tinha nada a ver com falta de habilidade. E este é um álibi mais efectivo do que muitos poderiam pensar. Por exemplo, é comum jogadores que vêem um miúdo a chorar na bancada perderem a vontade de jogar. Pelo menos, foi o que eu ouvi o Lito Vidigal dizer.
Andrei sofria pelas crianças, sofria com as crianças, fazia sofrer o treinador e os adeptos pelo seu sofrimento, mantinha uma relação afastada com a bola e o mal-estar exponenciava-se. Nascia um mártir.
Estava bom de ver que o cosmopolita e gigante Karyaka não podia ficar por cá muito mais tempo, desperdiçando o seu talento oculto. A UNICEF veio em seu auxílio e atribuiu-lhe o estatuto de embaixador. E Karyaka abandonou este cantinho apertado e inseguro com a sua prole faminta de espaço para um clube adequado às suas ambições: o FC Saturn. Saturno, esse sim, um planeta com a dimensão certa para Karyaka.
As crianças que por cá permaneceram neste cubículo atroz ficaram tristes. Mas por pouco tempo. Miguel Floribella Veloso estava a dar os primeiros passos nos tapetes lusos, despertando uma magnetização crescente junto dos garotos deslumbrados com o aspecto feérico da sua cabeleira. Porém, o primeiro grande humanista que se designava futebolista já tinha deixado a sua marca: Karyaka – a Lady Di do futebol português.
Estiveste mesmo bem, Mareque. Que pena só ter sido desta vez.
4 comentários:
Como toda a gente sabe, o fausto russo sempre esteve de mãos dadas com o Karyaka. Aliás, Karyaka sempre se acostumou ao luxo das alamedas de Novgorod e Tula, onde cada criança tinha um carro telecomandado (made in URSS claro!!) e pistas de automobilismo onde qualquer criança podia pegar na sua mota e ir competir com os colegas.
(Sim caros amigos, não estranhem, na URSS cada miúdo tinha uma mota, um Lada Niva e a idade para tirar a carta era aos 6 anos. Era isso, um piano e um pónei!!)
Não sei, até, se isto não se passou convosco, mas quando eu era pequeno sempre ouvia os meus amigos dizer "quem me dera ser o Karyaka, um pónei Vinha-me mesmo a calhar".
Ora, alguém pode recriminar o Karyaka por se sentir mal no meio da miséria?
Nem sequer uma estátua do Brejnev? Como é possível??
Karyaka, eu sei o que sentes...
Que Soljestin e Dostoyevsky te acompanhem, já que não me acompanham a mim.
Ivo
que forma tão bonita de aproveitar uma das frases mais infames da bola lusitana.
A André Carioca, filho preferido das grandes estepes siberianas, desejo uma vida rodeado de fausto nesses el dorados do futbol moderno que são os metalurg donetsks da vida.
Grozny.
As vossas palavras fazem lembrar Cicero esses monstro sagrado da literatura classica que ainda jogara em ??Moscovo???. Moscovo cidade monumento da arquitectura moderna, qual Le Corbusier qual Norman Foster, qual Bauhaus, certamente o exemplo a seguir sera o prototipo habitacional criado pela geracao sovietica do pos-guerra. "A chamada torre caixote em cinzento"
Agora esta dicotomia Pontape na Bola/Literatura e interessante nao sera um VLK mais Valido que um Kafka na sua expressao de humor surrealista? Um Jean Jacques Eidelye mais interessante do que um Jean Paul Sartre na analise ao absoluto racionalismo afinal quem sera mais pragmatico e dogmatico no seu existencialismo? Aquele que o exprime em accoes concretas.
Pesaresi e Machiavelli? Kralj e Camoes? Mateus e Gil Vicente.
Bem fico-me por aqui senao nao durmo hoje.
Epah, depois disto acho que já nem eu vou dormir...
Agora fiquei com o Punisic na cabeça numa conversa sobre o "EU" com o Descartes...
No fim o Punisic comeu-lhe uma orelha!!
Se fosse o Dinis eu compreendia, mas o Punisic??
Ivo
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